Transcrevo, abaixo, texto que encontrei no blog do poeta Álvaro Alves de Faria sobre a morte de Massao Ohno, o mais importante editor de livros de poesia no Brasil. Um dos melhores amigos de meu pai, que desde criança conheci:
"Soube da morte de Massao Ohno só no sábado à noite, quando abri o computador e vi as mensagens de Celso de Alencar e Eunice Arruda. Massao Ohno morreu. E os suplementos que se dizem culturais de São Paulo? Uma vergonha. Não dá para compreender essa mediocridade. Gente sem compromisso com p. nenhuma. Gente que gosta de enaltecer somente as mediocridades que reinam atualmente, especialmente na poesia. Essa corja que manda no jornalismo e nas universidades. É vergonhoso. Para essa gente, o Massao não existiu. Tomo a liberdade de dizer que tenho batido de frente com isso. Por isso fugi deste país e fui buscar a poesia onde ela ainda existe. Onde ainda existe gente séria. Os amigos estão morrendo, indo embora de um mundo feito de escombros e sem poesia nenhuma para celebrar. Com Massao vai mais um pedaço de mim. Mais um pedaço. Sou um homem feito de pedaços. Aos pedaços. Lembro-me agora, diante da notícia, dos anos 60, da Biblioteca Mário de Andrade, do início da ditadura. Os poetas na Galeria Metrópole. As primeiras guitarras elétricas. E Massao Ohno com uma prensa na rua Vergueiro. Uma prensa e uma porção de jovens poetas. Tínhamos todos vinte anos e muitos sonhos na cabeça, sonhos demais para sonhar. A Antologia dos Novíssimos, com a capa desenhada por João Suzuki, a primeira palavra de uma geração de poetas que mais tarde passaria a chamar-se Geração 60 de Poetas de São Paulo. Não sei se isso significa apenas um rótulo. Também não interessa. Mas lutei por ele. Escrevi “Geração 60 de Poetas de São Paulo” muitas centenas de vezes especialmente nos Diários Associados, porque eu entendia que existia, sim, uma geração de poetas jovens, cada um falando à sua maneira, cada um com um Fernando Pessoa e um Rilke dentro de si. O Sermão do Viaduto. Ah, o Sermão do Viaduto. E Massao, com sua prensa na rua Vergueiro, fazendo os livros de jovens poetas que tinham sonhos para sonhar e algumas palavras para dizer. Uma lua no bolso. E alguns poemas que foram perdidos para sempre. Depois os anos escuros. E depois as prisões. E depois as palavras sufocadas. E depois a angústia de ver o sol se apagar um pouco mais a cada dia que escorria do calendário. E depois as botas. E depois as mortes. E depois as celas. E depois o Dops. E depois a lágrima. E depois o grito de dor. E depois o sangue. Então eu vejo a notícia da morte de Massao. A última vez que o vi estava ouvindo música clássica. Fiquei com ele longo tempo, mas quase nada me disse. Depois fui embora. Depois encontrei Massao no lançamento do meu amigo Rubens Jardim. Quieto. Tímido. Lembrei de tantas coisas, amores, mulheres, amigos que já não existem mais, livros, leitura de poemas. Piva, Willer, Eduardo, Neide, Eunice, Carlos Felipe, Souliê, Otoniel, Beutenmuller, De Franceschi, Tolentino, Péricles, Bell, Luis Carlos. Décio Bar, Vogt. Beznos, João Ricardo, Mautner, Orides, Hilda, Paulini, Del Nero, Bicelli, Rodrigo, Ronald, Rubens Jardim, Rubens Torres, Sérgio Lima, muitos dos quais já se foram. Tínhamos todos vinte anos e muitos sonhos para sonhar. Depois a dor. Então foi para isso? Então foi para isso ? Então foi para isso? Então foi para isso? Então foi para isso? Então foi para isso? Às vezes a cela parece uma planície sem fim. Noutras, quase uma caixa de fósforo. Tínhamos todos vinte anos. Uma prensa na rua Vergueiro. Os sonhos também morreram. A poesia se tornou amarga. Dolorosa. Dolorida. Uma faca afiada que corta a veia da garganta, onde se guarda ainda o mesmo grito renascido na decepção e de uma amargura que não tem fim. Tínhamos todos vinte anos. Alguns guardam até hoje uma estrela no coração. A de Massao apagou no sábado de madrugada. Mas ainda brilha no céu".
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